quinta-feira, 19 de maio de 2016

GRANDES NOMES

JOSÉ ÁGUAS



Há 63 anos o Benfica fez uma digressão por África e aterrou em Lisboa com um reforço na bagagem.

“Eu era um miúdo magro e fracalhote. Morava no Lobito, numa casa pequenina, airosa e bonita, junto à estação do caminho-de-ferro. Os apitos dos comboios foram o acompanhamento musical das lágrimas e das gargalhadas dos meus primeiros tempos de… jogador…


Por trás da minha casa havia a praia, o mundo em que eu havia de arranjar este sarilho de ser futebolista. Eu gostava muito da minha casa e de um pinheiro muito verde que eu plantara quando era muito mais miúdo ainda e viera há menos tempo de Luanda – a terra em que nasci, meu pai morrera.
Minha mãe criava-me com todo o carinho e eu palmilhava todos os dias o caminho da escola, sacola ao tiracolo. Era um aluno aplicado, gostava de estudar! Mas, claro, o recreio, as horas de chilreada, felizes e alegres daqueles tempos, eram a minha “perdição”. E a bola – a mágica bolinha – apareceu. Que tardes no areal da praia!
Viram-me mexer na borracha e… nada feito, porque a minha mãe achava-me menino fraco demais para aquelas andanças. Viria a começar tarde. Só aos 15 anos ela me deixou calçar pela primeira vez umas botas de futebol.
E eu apareci, de repente, sem mais aquelas, a jogar na equipa do Lusitano Sports Clube.
Mas, nessa altura, eu tinha arranjado outros amores…
Gostava imenso de estar na praia, com a minha irmã e mais três ou quatro raparigas, numa brincadeira de nunca mais acabar. Nasceram-me os primeiros e tímidos pêlos da cara…
Arrefecera o meu entusiasmo pela bola. E era um grande entusiasta do futebol, mas para ver jogar e só ver, simplesmente...
Com 17 anos comecei a trabalhar num escritório – o primeiro emprego da minha vida. O meu chefe era o vice-presidente do Lusitano Sports Clube e eu “devia” jogar todos os Domingos. Mas fizera-me “cábula” da bola e, dos dezasseis jogos do campeonato, não alinhava em mais de cinco ou seis. Às segundas-feiras, o meu chefe ralhava-me – eu faltara mais uma vez… Até que… O Benfica visitou o Lobito!
Eu andava triste nessa altura e o sonho que desde muito novo acalentava – visitar Lisboa – fazia-me um “roi-roi” no peito. Joguei e… agradei.
Depois da morte da minha mãe a minha terra já não tinha para mim o ambiente feliz dos meus primeiros tempos. Havia a dor e a saudade no meu peito, que seriam a razão definitiva do salto que eu ia dar.
E vim para Lisboa.



A minha disposição era de estar aqui um ou dois anos – eu não me habituara à ideia de que podia fazer vida como jogador de futebol… O que depois se passou já toda a gente sabe. Cá estou…” artigo assinado por José Águas e escrito em 1951




Aqui começa a história do capitão dos capitães.
Quantos jogadores venceram a Taça dos Campeões?
Quantos jogadores venceram a Taça dos Campeões e se sagraram melhores marcadores nessa época de glória?
Nove: Di Stéfano, Puskas, José Águas, Altafini, Müller, Van Basten, Kaká e Cristiano Ronaldo.
Quantos jogadores venceram a Taça dos Campeões, se sagraram melhores marcadores e ainda levantaram a Taça na qualidade de capitães?
Só um: José Águas, em 1961.




E é dele que vamos falar, porque fez, 63 anos que chegou a Portugal, via Angola.
Nasceu em Luanda e cresceu em Lobito. Aos 15 anos, José entra como dactilógrafo na Robert Hudson, empresa concessionária da Ford, e com facilidade lança-se na equipa de futebol da firma, mostrando o mais tarde confirmado, o seu instinto goleador.




«Uma vez», conta José Águas  «aconteceu um episódio curioso. Tinha dois jogos importantes, o da Casa num sábado, e o do Lusitano no dia seguinte. Eu estava indeciso, porque os directores do Lusitano não queriam deixar-me jogar na véspera do desafio que lhes interessava. Para contentar ambas as partes, pedi-lhes para me deixarem jogar só um bocadinho no sábado, saindo logo que estivéssemos a ganhar. Concordaram, mas foram para o campo fiscalizar. Entrei a jogar e marcámos dois golos. Saí, como tinha ficado combinado, mas passado um bocado os meus colegas consentiram o empate. Voltei a entrar e daí a pouco o resultado passou para 3-2. Pedi para sair, e novo empate se registou! Lá tive que entrar outra vez, e então fiquei até ao fim. Acabamos por ganhar, salvo erro, por 4-3.»




Em 1950, José Águas, com 19 anos, e já um benfiquista ferrenho, por influência do pai Raul, vive um dia de glória aquando da vitória do Benfica na Taça Latina. No dia seguinte, um jornal local publica o poster dessa equipa e José Águas colaca-o na parede do quarto.
A notícia de que o Benfica – campeão Latino desse ano de 1950 – seguiria viagem até África causara uma onda de entusiasmo na grande massa de simpatizantes que viviam e trabalhavam naquelas distantes paragens. O Zeca ficou radiante porque o Benfica era, desde miúdo, o seu sonho dourado, e ansioso por conhecer pessoalmente os seus ídolos de então: o Rogério, o Azevedo e o “Julinho”. «Quando soube que o Benfica ia a África fiquei contente, claro, mas estava longe de julgar que isso viria modificar a minha vida.» Alguns adeptos ferrenhos do Benfica já tinham escrito para Lisboa, dando conta das qualidades de uma jovem promessa do Lobito, mas a direcção do clube mandara dizer que o assunto seria analisado quando a equipa se deslocasse a África, para então avaliarem as possibilidades do jovem jogador...
No mês seguinte, quando o referido poster já estava amarelo de apanhar tanto sol, o Benfica chega a Angola para uma digressão de início de época.
Dos 15 jogos previstos, o oitavo é o mais importante, Na primeira parte joguei a avançado-centro e na segunda a extremo esquerdo. A selecção do Lobito ganhou por 3-1 e eu marquei dois golos. Joguei e… agradei». Na entrevista publicada na revista Ídolos do Desporto, em 1956, o meu pai acrescentava pormenores: «Recordo-me perfeitamente do primeiro golo que marquei ao Benfica. Por sinal foi um grande golo, modéstia à parte. Eu estava a jogar a extremo, fugi ao Jacinto para o centro do terreno, recebi a bola pelo ar, parei-a com o peito, “desceu” ao pé direito... – e zás! – o amigo Contreiras nada pôde fazer...». A reportagem acentuava: «O primeiro golo de Águas não enganava ninguém e o treinador Ted Smith não era homem para ignorar um jogador daquele nível. Sim, Ted Smith ficou a olhá-lo como um petiz que cobiça um rebuçado. Um golo assim é tratado de futebol, define a bitola de um jogador!...»




  

Ted Smith, treinador inglês do Benfica, pede-lhe então que passe pelo seu hotel para falarem.
José Águas um novo jogador a quem o gigante louro oferecera não só um lugar na equipa mas o seu casaco de benfiquista. Ted Smith, o atlético treinador inglês, tomou a iniciativa de lhe emprestar o seu próprio casaco, igual ao dos jogadores. O meu pai vestiu-o, ainda que soubesse que ficava a «nadar» dentro dele. Foi então que ele sentiu – tal como se tivesse envergado a sua primeira camisola encarnada – que pertencia já ao Benfica, ao clube da sua paixão. Integrado na embaixada dos campeões nacionais e latinos, sentindo à sua volta o calor de uma instintiva simpatia, o Zeca sentia-se «Benfica» dos pés à cabeça. O seu corpo delgado (embora mais vigoroso do que poderia depreender-se da sua aparência quase franzina), ficava a dançar dentro da vestimenta vermelha que o possante inglês lhe cedera. Todos riram perante o espectáculo quase grotesco daquele jovem envergando um casaco que lhe ficava larguíssimo. Ele próprio riu também, porque via os outros rir e não queria que pensassem que «afinava» com a risota. Mas lá no fundo da alma, sem que os outros se apercebessem, despertara um sentimento novo, a secreta alegria de alguém que vê satisfeito um sonho bonito. – Sou jogador do Benfica!!




No dia seguinte, o FC Porto, por telefone, convida José Águas para umas férias na Invicta e uns treinos na Constituição(o estádio dos portistas), ao que este responde, timidamente: Amanhã respondo.
O amanhã nunca mais chegou para o FC Porto, pois para o Benfica, o amanhã significa a descoberta de mais um fenómeno da África ultramarina. Ponta-de-lança elegante e clássico, fazia do jogo de cabeça a sua grande arma.
José Águas larga tudo para vestir a camisola do Benfica no resto da digressão.




  
Nos três jogos seguintes, seis golos, incluindo um hat-trick na estreia, com a selecção Huíla-Lubango (entrou a 25 minutos do fim e apontou três golos. Foi obra!)

A 9 de Setembro de 1950, o Benfica aterra em Lisboa, com um reforço na bagagem.
Na revista Ídolos do Desporto, em Novembro de 1960, rezava assim a crónica: «Teve de suportar aquelas paródias que normalmente se fazem aos novatos – a cama que cai, a falsa chamada telefónica, a entrevista inventada – mas a tudo se prestava com o melhor sorriso, radiante por se ver no convívio do Rogério, do Arsénio, do Chico Ferreira e de outros que ainda ontem eram para ele uns ídolos distantes e inacessíveis e que via, agora, à sua volta, a mostrarem-lhe uma amizade e uma camaradagem que o traziam verdadeiramente deslumbrado e como que incrédulo de tudo aquilo ser mesmo verdade.» Não viajou para a metrópole com a equipa, pois ainda teve que resolver o assunto da licença militar.





  
«Alto, fino, magro, como aguentaria o jogo dentro da área, numa altura em que o futebol era jogado de faca na liga? Poucos seriam capazes de adivinhar que aquele rapaz bem-parecido, com pinta de actor de cinema, seria, 12 anos mais tarde, o grande José Águas, um dos mais notáveis avançados de sempre do futebol português, reconhecido unanimemente como o melhor cabeceador que os nossos estádios conheceram até hoje. Viajei com ele dezenas de vezes, pelo Mundo, com o Benfica e com a Selecção Nacional. A equipa chegava aos aeroportos, José Águas, alto, sempre vestido com elegância, óculos escuros, era automaticamente referenciado, pelas estrangeiras, como o homem a abater...» «Charme (in)discreto do avançado... alto, fino e magro», texto de Manuel Sequeira, publicado em 1993 no jornal A Bola.





José Águas demora duas horas a adaptar-se ao nosso futebol.
No primeiro jogo, com o Atlético, na Tapadinha (2-2), para a segunda jornada do campeonato nacional, Águas, nada habituado a um campo relvado e a jogar com pitons, quase não toca na bola e é posto em causa pela imprensa desportiva.
Antes que isso se transforme em críticas, Águas desfaz equívocos e marca quatro golos (o primeiro aos 30 minutos), na jornada seguinte, num estonteante 8-2 ao Braga.




Nas 13 épocas seguintes, José Águas vive momentos inesquecíveis, como a conquista das duas Taças dos Campeões, em 1961 e 1962 (na primeira edição é mesmo o melhor marcador da prova, com 11 golos em nove jogos), ambas como capitão, e um golo em cada final, ao Barcelona e ao Real Madrid, respectivamente.







                               
Entrevista a Béla Guttmann e José Águas antes da final de Berna



                                        
  José Águas Capitão do Benfica bi-campeão europeu



Trabalhou com Otto Glória, trabalhou com Béla Guttmann. Talvez o austro-húngaro tenha despertado em si maiores fascínios. Apesar da sua fama de treinador sempre de chicote na mão. A propósito desse jeito quase pretoriano de comandar homens, uma história deliciosa, pouco antes daquele dia de sonho em que José Águas se tornaria o primeiro português a tocar, com os olhos humedecidos de emoção, na Taça dos Campeões. O Benfica, ainda sem Eusébio, ganhara ao Ujpest, que representava meia selecção magiar, por 6-2. Mas Guttmann apenas permitiu que os seus pupilos deixassem o estágio no outro dia às oito da manhã, dizendo que para se ser campeão da Europa eram precisos muitos sacrifícios. Como nenhum director se encontrava, então, no Lar dos Jogadores, José Águas, na sua condição de capitão de equipa, pediu ao mordomo que mandasse buscar uns borrachinhos para uma petiscada, que na terça-feira contaria tudo a Guttmann. Encomenda feita, vieram os pombinhos e... seis garrafas de vinho verde. «Depois de comer tivemos o cuidado de embrulhar os ossinhos, tudo muito bem arrumadinho. As garrafas vazias ficaram em cima do armário. E aí é que foi o diabo! Sempre a tomar conta da situação, às sete da manhã do dia seguinte virei-me para o Cavém, que usava um malão para transportar os equipamentos, e pedi-lhe que metesse as garrafas no saco e as levasse para casa. Mas ele, de tão ensonado, esqueceu-se. Na terça-feira, Guttmann perguntou-me o nome dos jogadores que haviam estado na festança e avisou logo que estavam multados em mil escudos. E ficou pior quando soube que o Cruz, de quem ele gostava muito, também fazia parte do rol. Ele, eu, o José Augusto, o Cavém e o Costa Pereira. Por mais que lhe jurasse que lhe contaria tudo, não perdoou um tostão à multa. Depois de muito suplicar, apenas aceitou que o castigo não ficasse afixado no placard, para que os miúdos não vissem. Mas nenhum de nós lhe levava a mal ser assim. Porque sabíamos todos que o que Guttmann queria era a glória do Benfica e o sucesso de todos nós.»







Sem esquecer que foi o primeiro português votado para a "France Football", em 1961 (certamente votos do jornalista português, porque a sequência José Águas, Germano, José Augusto, Costa Pereira e Eusébio é no mínimo curiosa). Além das sete Taças de Portugal e de cinco campeonatos nacionais e cinco títulos de melhor marcador da Primeira Divisão, que contribui para que seja dos poucos jogadores do mundo a terminar a carreira com mais golos (290) que jogos (282).




  

Em 1962, a saída do técnico húngaro Bela Guttmann precipita o fim de José Águas.
Depois das vitórias de Berna e Amesterdão, ambas como capitão de equipa, José Águas ainda esteve, em 1963, em Londres, na terceira final consecutiva do Benfica na Taça dos Campeões Europeus. Guttmann já lançara a maldição e Riera fora a primeira vítima disso. Contra o Milan, o chileno decidiu lançar José Torres em vez de Águas, que assim, com alguma surpresa, foi para o banco de suplentes. «Algum tempo depois Riera pediu-me desculpa por não me ter colocado a jogar. Disse-lhe que quando me afastou da equipa já tinha contrato para ir para a Áustria, onde ganharia umas centenas largas de contos e até ficaria satisfeito com os golos de Torres. Era verdade, era a voz do meu coração de benfiquista, mas Fernando Riera parece não ter ficado muito convencido...»




Da Áustria voltou mais rico. Ainda foi para o Atlético. Como treinador. E, com Matateu na sua equipa, conquistou o título de campeão nacional da II Divisão. Mas não quis seguir a carreira de treinador por muito mais tempo. Preferiu continuar vendedor de automóveis. Aliás, não foi muito de admirar, já que, no seu período áureo, confidenciara que vestia o equipamento de futebolista com «o mesmo espírito com que um operário veste o facto-macaco», porque era assim que ganhava dinheiro e porque «não gostava de jogar à bola».

  





  
José Águas recordado na Luz






O livro «José Águas, O Meu Pai Herói» da autoria de Helena Águas foi apresentado na passada quarta-feira no Camarote Presidencial do Estádio da Luz perante uma plateia de ilustres benfiquistas, que fizeram questão de prestar homenagem a um dos maiores símbolos do emblema encarnado.



Com a presença de antigos colegas de equipa, nomeadamente José Augusto, Ângelo Martins, Francisco Palmeiro, Artur Santos e Artur Correia, a obra «José Águas, O Meu Pai Herói» foi apresentada pelo humorista Ricardo Araújo Pereira.
«Este livro demonstra bem o que é ser José Águas e ser do Benfica» frisou Ricardo Araújo Pereira.



  
Helena Águas, autora do livro, recordou alguns episódios relatados no livro, nomeadamente o primeiro jogo de José Águas em Portugal com a camisola encarnada.
«Quando chega a Lisboa, vem cheio de sonhos e com força para vencer, mas a estreia na Tapadinha foi um horror. Ele nunca tinha jogado em relva e calçado umas chuteiras com pitons. O resultado é que chorou, uma vez que não conseguia acertar na bola», contou, de forma carinhosa, a filha do ex-avançado do SL Benfica.
Rui Águas, antigo avançado do SL Benfica, não deixou de marcar presença na apresentação da biografia do seu pai, considerando que o livro «faz jus à sua memória».
 

  

Dados pessoais e Palmarés

Filho de Raúl António Águas (Lisboa – Luandaem 1933) e Elisa da Conceição Pinto (Porto, freguesia de Cedofeita - Luandaem 1947). Casou com Maria Helena de Jesus Lopes, nascida em Lisboa em 7 de Junho de 1930 e falecida em Lisboa no dia 18 de Junho de 2003. Do casamento nasceram Helena Maria de jesus Aguas(mais conhecida por Lena D'agua, em 16 de Junho de 1956; Cristina Maria de Jesus Águas, em 22 de Novembro de 1957; e José Rui Lopes Águas, em 28 de Abril de 1960.



José Pinto de Carvalho Santos Águas

Nacionalidade         Portugal
Nascimento  1930-11-09
Naturalidade            Luanda -   Angola


Posição         Avançado (Ponta de Lança)
Pé preferencial        Direito
Internacionalizações A      25 jogos / 11 golos


Títulos           



16 títulos oficiais:

 Liga dos campeões 1960/61, 1961/62(2)



 Liga Portuguesa 1949/50, 1954/55, 1956/57, 1959/60, 1960/61, 1962/63 (6)
 Taça de Portugal 1950/51, 1951/52, 1952/53, 1954/55, 1956/57, 1958/59, 1961/62 (7)
 AF Lisboa Taça de Honra 1ª Divisão 1962/63 (1)




Prémios



Portugal: Melhor Marcador

1951/52 (1.º), 1955/56 (1.º), 1956/57 (1.º), 1958/59 (1.º), 1960/61 (1.º)

 





José Águas pela Selecção Portuguesa


 
  




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