sábado, 2 de julho de 2016

GRANDES NOMES

NELINHO

Jogou ao lado dos históricos do Benfica, chorou ao mudar-se para Braga, mas não voltou atrás. Na Liga Europa, tem o coração dividido.

 

Nelinho jogou com Eusébio, Nené, Jordão, Shéu ou Chalana, mas nunca foi tão conhecido como os companheiros. Lutou muito para se impor no Benfica, onde venceu três campeonatos, e depois mudou-se para o Sporting de Braga em 1977/78.
Aos 62 anos, Joaquim Manuel Rodrigues Silva Marques tem um cabeleireiro e uma padaria no Bairro da Boavista, onde nasceu. O i foi à sua procura e conseguiu falar com ele, apesar dos azares recentes na sua vida. Depois de ver o filho assassinado e de ter assistido a um longo julgamento, soube há dez dias que o assassino, condenado a 12 anos, vai voltar a tribunal para alegar que o filho de Nelinho faleceu por negligência médica. Assim que ouviu a notícia, teve um AVC. A recuperar – ainda não pode ler nem ir ao futebol -, Nelinho puxou da memória e falou do passado de futebolista e do histórico embate entre Benfica e Sp. Braga na meia-final da Liga Europa.


No futebol, começou desde cedo a dar nas vistas?

Bem, eu comecei no Palmense e fui à meia-final do campeonato contra o Benfica. Houve várias pessoas que me começaram a acompanhar logo nos juniores. Depois fui jogar um ano para o Tramagal, da II Divisão Norte. Tinha muita velocidade, por isso parecia que eles andavam de bicicleta e eu de mota. Todos os domingos vinham dirigentes falar comigo e eu pensava ”será normal?”. Não havia empresários e eu estava preso ao Palmense.

Mas antes da Luz passou pelo Beira-Mar…

Famalicão, Tirsense, Boavista, Beira-Mar, todos falaram comigo. Mas o guarda-redes José Pereira convenceu-me a ir para Aveiro, com o António Medeiros [treinador]. Fui emprestado uma época e era sempre titular. Depois fui mobilizado para a tropa mas consegui ficar em Aveiro. No ano seguinte fomos campeões e subimos à I Divisão. Eu queria ficar no clube mas o Ilídio Fulgêncio, que era director do futebol juvenil do Palmense, disse-me “tenho duas hipóteses melhores para ti”. É aí que faço dois treinos à experiência no Benfica, aqui no Casa Pia, ao pé de casa. Aquilo eram só monstros do futebol! O Jimmy Hagan diz-me isto: “senhor magrinho, mas bom jogador. Tenho de vê-lo mais vezes”. “Mas eu tenho de ir de férias”, respondi. Então apareceram a Académica e o Guimarães mas eu queria ficar no Beira-Mar e o Benfica resolveu comprar o meu passe ao Palmense. Faço um treino e o Hagan diz “vamos ver”. Não assinaram e eu volto ao Beira-Mar, mas como a carta era do Benfica, arranjaram-me o Belenenses. Fiz um treino com o Mário Wilson que me perguntou se eu não podia lá voltar. “Você já tem o plantel cheio, eu gostava de jogar no Beira-Mar, mas o Benfica mandou-me cá vir”. “Ok, havemos de nos encontrar outra vez”, disse-me ele. Acabei por ir para o Beira-Mar. Quando defrontamos a Académica, vejo que o treinador era o Mário Wilson. Ganhámos 1-0 com um golo meu. Marquei golos em Alvalade e ao Guimarães e os dirigentes vieram falar comigo. O Porto também. Todos me queriam. Na segunda volta marco outra vez à Académica e o Mário Wilson vem ter comigo e diz: “Enganaste-me bem. Às vezes um gajo anda a dormir, mas também só te vi num treino, não tive tempo”.



E o Nelinho vai parar àquela equipa do Benfica, que tinha Eusébio, Chalana, Jordão, Shéu, Humberto Coelho, entre outros…

Sim. Até lhes disse que podiam ter ficado comigo à borla, mas depois tiveram de pagar 1500 contos, o que na altura era um dinheirão.

Como é que foi deixar o Beira-Mar e apanhar um balneário de craques?

Vim para o clube dos famosos. Estive lá cinco anos, mas em dois andei a apanhar bonés. Não é como agora, que joga qualquer um. Tínhamos de ir subindo e mostrar alma à Benfica. Quem não a tivesse era posto de parte e quem não fosse convocado não podia amuar. Eu e o Bento éramos a frente do pelotão nos treinos. Eu trabalhava muito para ter oportunidades.

 

Apesar das dificuldades, conseguiu finalmente impor-se com Mortimore?

Sim, ele tirou o Chalana da direita, meteu-me a ponta-de-lança. Éramos uma equipa muito veloz no contra-ataque. Em 1976/77 não fiz os seis primeiros jogos e no início dessa época não ganhávamos a ninguém. Então comecei a jogar e marquei num 3-1 ao Boavista, depois faço dois golos num jogo particular e o Mortimore diz-me “senhor, se jogar assim, é o senhor e mais dez”. Foi meio caminho andado. Já não perdemos mais, estávamos a seis pontos do primeiro lugar e fomos campeões com nove de avanço.

Com a titularidade no Benfica, chega também à selecção A.

Tive a sorte de chegar à selecção. Agora os seleccionadores procuram equipas pequenas como o Cazaquistão ou algo do género para ganharem, e rodam os jogadores todos. Se fosse no nosso tempo, ganhávamos 20-0. Fiz centenas de treinos de conjunto no Jamor que podiam ser jogos particulares. Por isso, só tenho quatro internacionalizações. Era sempre suplente, nunca entrava.




A ligação ao Benfica durou cinco anos?

Sim, mas fui emprestado um ano para Espanha, para o Orense. Depois veio o Romeu Martins, um dirigente que só pode ter vindo para rebentar com aquilo. Vendeu o Jordão por uma porcaria de dinheiro, deixou sair o Artur e o Eurico e o Benfica esteve três anos sem ser campeão. Eu ganhava 22 contos e 500 (112 euros), o mesmo que me pagavam quando cheguei. Queriam que assinasse por mais três anos, a ganhar o mesmo. O Braga dava-me 500 contos para assinar e 90 contos de ordenado, o Sporting ofereceu-me 85 e o Benfica chegou aos 45. Para me segurarem, disseram que faziam uma festa de homenagem. Qual festa? Eu não quero nada, só quero jogar. Tinha 29 anos.

Pois, e então vai parar a Braga…

Eu era o ”expresso da Luz”, era sempre a jogar para a frente. Adorava o Benfica. Quando peguei nas minhas coisinhas passei pela 2ª Circular e parei na Luz. Fartei-me de chorar, tive vontade de voltar atrás, mas era profissional. Fui para Braga, estive lá três anos e conheci gente impecável que está no meu coração.

Que grandes diferenças encontrou?

Senti algumas dificuldades, porque no Benfica jogava sempre para ganhar e no Braga havia colegas meus que não estavam preparados para isso. Mesmo assim fizemos dois quartos lugares e um quinto, só perdíamos contra Benfica, Sporting e Porto. Foi nessas épocas que o Braga começou a investir, com outra maneira de pensar o futebol.

Então e na quinta-feira, vai torcer pelo Benfica?

Sou muito amigo do Jorge Jesus e do Luís Filipe Vieira, mas se for à Luz fico doente. Há jogadores que nem de borla deviam jogar. O Cardozo, na minha altura, nem nas reservas tinha lugar. Pode ter um bom remate, mas… foi pena termos perdido o Falcao. No Porto lutam muito e o Jesus vai começar a pagar pelos jogadores que não correm.

Jogava-se mais com amor à camisola?

Sempre joguei com amor à camisola. Adoro o Benfica, o Braga e o Beira-Mar! Se houver três ou quatro jogadores com garra, puxam pelos outros. No Braga tínhamos garra mas não conseguíamos segurar a bola, por isso nunca fomos campeões. Fui 19 vezes campeão de futebol de salão, por isso adora o estilo do Barcelona, jogam à minha maneira. Toque rápido e curto uns para os outros sem perder a bola. Só monstros como Mourinho e Ronaldo conseguem rebentar com eles.

ENTREVISTA A NELINHO


Estamos a fugir à questão. Quem acha que vai ganhar na Liga Europa?

São duas equipas de que gosto muito, comprei uma casa e uma loja em Braga, adoro aquela cidade e as pessoas. Mas nasci aqui, tenho aqui os meus amigos e em Braga já não conheço quase ninguém. Além disso, o Vieira e o Jesus são do meu tempo, jogaram futebol de salão comigo. Estou dividido, mas tenho de estar pelo nosso Benfica. Acho que ganha 2-1 e conquista a Taça. O Braga é uma equipa muito veloz, tem um bom guarda-redes e lutam muito. Se o Benfica estiver num dia bom, ganha, mas eles podem surpreender no contra-ataque.

Mas se o Braga vencer, também vai ficar feliz?

Sou amigo do pai do António Salvador, conheço o presidente desde miúdo. Não sou doente, gosto de ver futebol e se o Braga merecer, não há nada a fazer. Dou-lhes os parabéns. São os meus dois amores, espero que seja um bom jogo e vença o melhor.

Nunca quis enveredar pela carreira de treinador?

Tirei o curso e treinei o Real Massamá e em Portalegre. Mas já fui duas ou três vezes para o hospital, sou levado pela paixão, vivo muito o futebol. Por isso os médicos aconselharam-me a não treinar e tive de me afastar um pouco do desporto. Estive cinco anos sem ir ao futebol e quando fui há pouco tempo, porque o Benfica me pediu, até chorei a ouvir o hino.


E escolheu dedicar-se a cortar cabelos.

A minha mulher tinha um cabeleireiro e eu desde miúdo cortava os cabelos aos jogadores do Benfica e do Braga. Comecei a ajudá-la e já trabalho nisto há 15 anos. Muitos jogadores vêm aqui ao Bairro da Boavista cortar o cabelo. Há um ano um senhor aqui do bairro perguntou-me se não queria ficar com a padaria dele e fez-me um preço especial, porque sabia que eu queria comprar um jazigo para o meu filho. Então agora tenho um cabeleireiro e uma padaria/pastelaria. Era o homem mais feliz do mundo, estava sempre a rir. Desde que mataram o meu filho já não sou o mesmo, tento continuar nas minhas brincadeiras. Felizmente tenho uma menina de oito anos e outra de 22, e mais dois filhos com 32 e 34. Se a minha mulher deixasse, não me importava de ter outro!

Obrigado por esta entrevista, as melhoras e felicidades para a sua família.

Se um dia passar aqui no bairro pergunte pela padaria do Nelinho, todos me conhecem.

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