sábado, 16 de julho de 2016

GRANDES NOMES


GAMARRA



“O defesa leal, absoluto e inesquecível”

A palavra “falta” não existia no livro de afazeres daquele central de cabelos vermelhos e estatura apenas mediana. Em seu manual, era possível encontrar frases como “desarmarás sempre com precisão”, “terás um senso de colocação impecável”, “se anteciparás como ninguém” e “marcarás época como um dos melhores defensores de todos os tempos”. Não é preciso dizer que Carlos Alberto Gamarra Pavón, o Gamarra, cumpriu a risca essas e muitas outras recomendações da cartilha de um central imortal. Pois foi isso que ele foi. Gamarra encantou a todos com um futebol diferente, único e clássico. Ele não dava pontapés, não cravava as suas chuteiras nas canelas dos atacantes e muito menos deixava as suas equipas na mão com cartões desnecessários  ou suspensões automáticas. Gamarra era leal, seguro, sublime. Desarmava como poucos e como muitos jamais conseguiram. Ele antecipava-se nas jogadas e conseguia compensar a falta de estatura por conta disso. E, claro, marcava seus golos de vez em quando. Seu auge foi em 1998, quando arrebatou a todos no mundo ao disputar todas as quatro partidas da seleção paraguaia na Copa do Mundo sem cometer uma falta sequer. Gamarra jogou contra as seleções da Nigéria, Espanha, Bulgária e França, enfrentou craques letais como Raúl González, Hristo Stoichkov, Jay Jay Okocha, David Trezeguet e Thierry Henry e não foi advertido nenhuma vez pelos árbitros. Uma monstruosidade que lhe rendeu o prémio de melhor defensor daquele mundial e uma vaga no All-Star Team da Copa. Para coroar um ano tão brilhante, Gamarra ainda conduziu o Corinthians ao título nacional para cima do Cruzeiro com actuações fantásticas. Uma pena que o central não tenha tido sorte maior nos clubes europeus. Mas não importa. Os privilegiados brasileiros foram espectadores da melhor fase do defesa mais encantador que a América do Sul produziu no final do século XX. É hora de relembrar.





Tijolos e futebol


Nascido na pequena cidade de Ypacaraí, ao sul do Paraguai e famosa pelo Lago homônimo e por suas belezas naturais, Gamarra começou a jogar futebol no Cerro Porteño, em 1991, paralelo às suas actividades na olaria do pai. O futuro craque fazia tijolos de manhã e de tarde jogava bola no Cerro. Por lá, começou no meio de campo e rapidamente se destacou pela segurança em campo, a facilidade em desarmar os adversários e, acima de tudo, a lealdade. O jogador integrou a equipe titular do clube já em 1991 e teve suas primeiras experiências como defesa central sob o comando do treinador brasileiro Paulo César Carpegiani, que viu no talento de Gamarra uma condição de mais valia para a defesa do time, principalmente colocando-o na sobra, para roubar as bolas dos atacantes rivais. A experiência deu certo e Gamarra conquistou, ao lado do amigo Francisco Arce, o Campeonato Paraguaio de 1992, quando o time azul e grená aplicou uma sonora goleada de 5 a 0 no Libertad na partida final. Em 1993, foi emprestado ao Independiente, ganhou sua primeira convocação para a seleção e retornou ao Cerro Porteño pouco tempo depois. Em 1994, venceu mais um título nacional e chamava cada vez mais atenção pela maturidade em campo e o baixíssimo número de faltas cometidas. Não demorou muito para que dirigentes do Internacional notassem a qualidade do zagueiro, bem como as recomendações de Carpegiani, e fizessem uma proposta. Os trâmites foram acertados e Gamarra foi jogar no Beira Rio em 1995.

  


A fase do Inter não era das melhores em 1995, mas Gamarra conseguiu virar ídolo instantâneo e deixar maravilhada a torcida colorada. Com atuações de gala, jogadas de efeito e desarmes de bola simplesmente perfeitos, Gamarra foi comparado por muitos ao mítico central chileno Figueroa, que brilhou no Inter dos anos 70. A força e a soberania na defesa eram uma espécie de volta ao tempo para o adepto, que ficava maravilhado pelo algo a mais de Gamarra: a segurança e a disciplina, pois ele não jogava duro e nas pernas dos atacantes como muitas vezes Figueroa fazia. Ele ia diretamente e puramente à bola. Tanta qualidade com a camisa vermelha não rendeu muitos títulos ao craque. O jogador facturou apenas um Campeonato Gaúcho, em 1997, mas ganhou vários prémios  individuais no período, entre eles duas Bolas de Prata da revista Placar em 1995 e 1996. No jogo do título estadual de 1997, Gamarra fez sua despedia do Beira Rio para tentar a sorte no Benfica-POR, em sua primeira experiência profissional no velho continente. A torcida colorada chorou o adeus de seu “colorado” (por conta dos cabelos vermelhos), mas eternizou o paraguaio como um dos maiores ídolos de sua história.



Passeio em Portugal e a volta ao Brasil





Ao contrário do que se imaginava, Gamarra não teve vida longa no Benfica. Se no Inter a fase não foi das melhores, no clube português foi pior ainda. Ruim financeiramente, sem bons jogadores e sob um jejum terrível de títulos (além de ter virado freguês de carteirinha do bicho-papão Porto da época), o clube encarnado pouco teve a oferecer ao brilhante defesa paraguaio. Foram apenas 17 jogos e um golo marcado com a camisa do clube, mas a admiração de todos em Lisboa, como bem disse o jornal Record, durante as comemorações do centenário do clube em 2004:

“Gamarra provou, ao serviço do Benfica, a sua qualidade superior como central: rápido sobre a bola, inteligente na ocupação do espaço, criterioso na abordagem aos adversários, duro sem resvalar para a violência, ele é a enciclopédia viva de como jogar naquela posição. Tornou-se um dos jogadores preferidos entre a família encarnada e um dos mais elogiados de todo o campeonato (Português)”. Jornal Record, Fevereiro de 2004.

Sobre uma grave crise financeira, os dirigentes do Benfica não tiveram escolha diante de uma tentadora proposta do Corinthians e venderam o defesa em 1998. Um péssimo negócio, pois naquele ano Gamarra escreveria seu nome de uma vez por todas no rol dos imortais.

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